domingo, 29 de abril de 2012

«Ah, tudo é símbolo e analogia!
O vento que passa, a noite que esfria
São outra cousa que a noite e o vento —
Sombras de vida e de pensamento.
Tudo que vemos é outra cousa.
A maré vasta, a maré ansiosa,
É o eco de outra maré que está
Onde é real o mundo que há.
Tudo que temos é esquecimento.
A noite fria, o passar do vento
São sombras de mãos cujos gestos são
A ilusão mãe desta ilusão.

                             
Tudo transcende tudo
E é mais real e menos do que é. »



jueves, 26 de abril de 2012

Eu, velida, non dormia,
lelia doura,
e meu amigo venia*,
edoi lelia doura!

Non dormía e cuidava,
lelia doura,
e meu amigo chegava,
edoi lelia doura!

E meu amigo venia,
lelia doura,
e d'amor tan ben dizia,
edoi lelia doura!

E meu amigo chegava,
lelia doura,
e d'amor tan ben cantava,
edoi lelia doura!

Muito desejei amigo,
lelia doura
que vos tevesse comigo,
edoi lelia doura!

Muito desejei amado,
lelia doura,
que vos tevesse a meu lado,
edoi lelia doura!

Leli leli, par Deus, leli,
lelia doura,
ben sei eu quen non diz leli,
edoi lelia doura!

Ben sei eu quen non diz leli,
lelia doura,
demo x'é quen non diz lelia,
edoi lelia doura..


Eleva-se entre a espuma, verde e cristalina
e a alegria aviva-se em redonda ressonância.
O seu olhar é um sonho porque é um sopro indivisível
que reconhece e inventa a pluralidade delicada.
Ao longe e ao perto o horizonte treme entre os seus cílios.

Ela encanta-se. Adere, coincide com o ser mesmo
da coisa nomeada. O rosto da terra se renova.
Ela aflui em círculos desagregando, construindo.
Um ouvido desperta no ouvido, uma língua na língua.
Sobre si enrola o anel nupcial do universo.

O gérmen amadurece no seu corpo nascente.
Nas palavras que diz pulsa o desejo do mundo.
Move-se aqui e agora entre contornos vivos.
Ignora, esquece, sabe, vive ao nível do universo.
Na sua simplicidade terrestre há um ardor soberano.


António Ramos Rosa
in Volante Verde





Teresa Cunha, Um Dia
Um dia
vou dizer-te,
a versão eloquente
de quem fomos,

…dizer-te
dum pretérito simples,
e do futuro condicional
incerto.

Leremos livros
de odores ligeiros
saboreando chás
de sabores diversos,

Diremos poemas
inventaremos núpcias
juraremos juras
e cantaremos versos,

Descobriremos portos,
barcos, travessias,
tormentas brancas
e algumas calmarias…

Tudo isto amor,
e nada mais,
brandos e contemplativos,

eu prometo,

…um dia

(Bósnia 1998)

Tornaste-te diáfana por esses dias, José Rui Teixeira


Tornaste-te diáfana por esses dias,
incendiavas a realidade só de olhá-la
com força e eu assistia redimido à multiplicação
de pães e peixes no silêncio circunscrito
do teu corpo. Sustinha a respiração
sobre as espáduas e o meu pensamento
era uma língua de fogo. Os espelhos
sobrepostos na margen do grande rio,
a omissão do teu nome como uma máscara
ou a antecámara de um sepulcro vazio.

miércoles, 25 de abril de 2012



Inclua no seu amor um pouco de desespero
derrame seu potencial de drama nos tapetes
ponha sal nas frutas ácidas
tente um pouco de champagne no sapato
esparrame de preguiça pelos linhos
no espalhafatoso desleixo dos lençóis
use olhos cristalizados, cintilantes
com faíscas no meio das plumagens
aprenda a cantar e a cabriolar um pouco
a dança elástica de uma enguia
se esfregue nas nervuras, descubra trunfos
muito escorregadia
Saiba o zodíaco chinês e as manchas do demônio
conhecedora de alquimias
deguste seus horrores em rituais estranhos
Seja uma ameaça
Dê telefonemas interurbanos em meio à noite
a Angkor, Himalaia, Terra do Fogo
Estilhace as regras desse jogo
que um pouco de maldade é necessária
Libidinosa sempre entre parênteses
esguiche todo esse seu som de dentro
ensopada de paixão e de água fria
leviana até a última mordida
Esquiva como uma taturana
penetrando no gargalo da garrafa
estenda suas estrias até o limite da suspeita
pois não há nada como um crime atrás do outro.
***
(Bruna Lombardi)